Espírito crítico

"Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero. "
(Pierre Beaumarchais)

"Quem se enfada pelas críticas, reconhece que as tenha merecido."
(Tácito)

"Onde não se pode criticar, todos os elogios são suspeitos."
(Ayaan Hirsi Ali)


"Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar."
(Abraham Lincoln)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Avião em queda

- Mayday! Mayday! Vamos despenhar-nos! – gritava o piloto do avião em queda. No início da viagem, o avião tinha sido pilotado pelo comandante José que aos altifalantes tinha anunciado que haveria uma grande festa durante o voo. De facto, mal os passageiros entraram a bordo, receberam computadores, os políticos e gestores alcançaram privilégios vedados a outros passageiros, os empresários receberam contratos de construção de estradas e de reconstrução de escolas… Para financiar a festa, o comandante José entregou os reatores e as asas do avião a empresas administradas por amigos. Para o avião continuar voar, só havia que pagar o aluguer dos equipamentos e ainda o combustível alguns anos depois. A certa altura o piloto apercebeu-se que o dinheiro tinha acabado. Pediu aos passageiros que começassem a pagar um suplemento pela viagem, solicitando dinheiro, joias e relógios e impediu que as hospedeiras progredissem na carreira para diminuir os custos. Os passageiros e o pessoal de bordo lá concordaram e contribuíram para pagar a festa. Mas o dinheiro continuava a não chegar e em terra ninguém queria emprestar dinheiro para pagar uma viagem a um avião sem combustível. Desesperadamente o piloto José pediu aos passageiros que lhes dessem também os sapatos para tentar que o avião ficasse mais leve e pudesse voar durante mais algum tempo. O copiloto Pedro não concordou e anunciou que os passageiros não podiam continuar a viver sem sapatos e que se pedisse ajuda à torre de controlo aéreo. O piloto José disse que não pilotaria o avião com a ajuda externa. O Presidente da companhia aérea, o Sr. Aníbal, que por azar ia no avião também achou que tirar os sapatos às pessoas era demais. O piloto José pediu ajuda à torre de controlo e demitiu-se. O copiloto Pedro foi nomeado comandante e passou a pilotar o avião com a ajuda dos controladores aéreos. O ex-piloto José saltou do avião de paraquedas e aterrou em Paris, sabendo que o avião se despenharia a qualquer momento. Então, decidiu-se que os passageiros e o pessoal de bordo podiam ficar com os sapatos, mas teriam de entregar as calças e os casacos. Os passageiros lá aceitaram, pois ainda era Verão e não fazia muito frio. Os jovens foram convidados a saltar de paraquedas, se queriam sobreviver. Alguns mais inteligentes aproveitaram essa oportunidade e saltaram para ter alguma esperança de futuro. Entretanto, o piloto Pedro vendo que o avião perdia altitude descontroladamente , pediu ajuda à torre de controlo para alongar a pista de aterragem de modo a que esta se aproximasse do avião em queda. A torre de controlo permitiu que o avião aterrasse num campo para lá das 4,6 milhas do aeroporto se houvesse mais um esforço dos passageiros, mas pelo sim pelo não foi mandando evacuar a cidade e colocou dois mísseis apontados ao avião se ele corresse o risco de cair num país vizinho muito mais populoso. O piloto Pedro decidiu que os passageiros e a tripulação tinham de despir todo o vestuário e descalçar os sapatos para entregar a alguns grandes empresários de modo a que estes pudessem escapar da tragédia iminente nos seus jatos particulares que os levariam às ilhas Caimão. Ninguém se lembrou de que os jatos particulares dos grandes empresários tinham combustível suficiente para que o avião onde viajavam todos pudesse chegar ao aeroporto em segurança. Os passageiros ao verem que iam ficar completamente despidos acharam que se tinham ultrapassado todos os limites e decidiram avisar o piloto de que os conduzia numa rota de colisão. O piloto, mesmo aconselhado por amigos, manteve a sua determinação de que podiam colidir, mas que seriam homenageados pela torre de controlo como heróis pelos sacrifícios que tinham feito. O Presidente da companhia, o Sr. Aníbal, ainda mandou uns recados por porta-vozes a aconselhar moderação e a reprovação das medidas para não ter de ser ele a ter de despedir o piloto. No entanto, permaneceu em silêncio, pois achou que uma substituição do piloto naquela altura já era tardia e aceitou o fim com resignação. Os passageiros, olhando pela janela e vendo o solo a aproximar-se a grande velocidade, perderam a confiança no piloto e resolveram manifestar-se, pois tinham percebido que a austeridade dentro do avião era sinónimo de roubo. O comandante Pedro mandou reforçar a segurança na entrada da cabine de pilotagem, pois queria ser ele o último a pilotar o avião para ser recordado pela torre de controlo como um piloto determinado e corajoso. A manifestação teve a adesão de quase todos os passageiros, só alguns que não podiam levantar-se por limitações físicas ou partidárias é que permaneceram sentados aguardando a morte com serenidade e resignação. Com tão grande adesão à manifestação, não havia seguranças contratados que chegassem para defender a cabine de pilotagem, mesmo que lhes tivessem oferecido o que tinha sido tirado aos passageiros. Assim, a manifestação transformou-se em revolução e os passageiros entraram na cabine de pilotagem e a esperança voltou a encher o horizonte, mesmo com a terra tão próxima. Pelo menos não se insistiria mais num rumo que toda a gente sabia ser errado.