Espírito crítico

"Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero. "
(Pierre Beaumarchais)

"Quem se enfada pelas críticas, reconhece que as tenha merecido."
(Tácito)

"Onde não se pode criticar, todos os elogios são suspeitos."
(Ayaan Hirsi Ali)


"Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar."
(Abraham Lincoln)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

O Fim do Ensino Público



Eu falo do fim do “ensino público” e não do fim da “escola pública”, porque “escola pública” haverá durante mais alguns anos, até fecharem as portas de todas as escolas. Enquanto “ensino” implica que os alunos aprendam alguma coisa; “Escola” é o local onde as crianças passam o dia e são ocupadas ou entretidas pelos professores.
O fim do “ensino público” em Portugal foi decretado pela actual Ministra da (des)Educação e escrevo este artigo para que nunca ninguém se esqueça dos responsáveis pelo seu fim. As medidas que levaram à sua destruição foram:
1ª Decretar que todos os alunos que tivessem uma retenção, em qualquer ano da escolaridade obrigatória, nunca mais poderiam ficar retidos, mesmo que fossem para as aulas perturbar, entregassem os testes em branco, insultassem ou agredissem colegas e professores ou fossem suspensos. Esta situação provoca a revolta dos poucos alunos que ainda consideram que vale a pena tentar aprender alguma coisa, pois esforçam-se e vêem que os que os impedem de aprender têm o mesmo sucesso!
2ª Impedir que os professores marcassem trabalhos de casa para que os alunos não se habituem a trabalhar, pois, quando crescerem, correm o risco de irem para o desemprego e, se estiverem habituados a trabalhar, podem reclamar emprego e provocar uma revolução que expulse estes incompetentes do governo. Felizmente, há professores que se preocupam com a aprendizagem dos alunos e vão marcando trabalhos de casa, na esperança de que os pais não os denunciem à ministra.
3ª Impedir que os professores preparem as suas aulas e corrijam testes, pois só permite que estes trabalhem em casa sete horas por semana, o que não dá para preparar um terço das aulas, quanto mais para elaborar e corrigir testes. Assim, os professores não devem dar testes, caso contrário têm de trabalhar muitas horas na sua elaboração e na sua correcção, o que é muito mais do que o que a ministra permite. Se os professores não derem testes, já não terão problemas de consciência ao deixar passar os alunos que não querem aprender, tal como a ministra exige!
4ª Obrigar, mesmo contra a decisão dos tribunais, os professores a darem aulas de substituição gratuitas a alunos que não conhecem.
5ª Minar a autoridade dos professores, obrigando-os a terem aulas assistidas para serem avaliados em vez dos alunos!
6ª Roubar o tempo de serviço aos professores. Não se trata de um “congelamento”, como erradamente defende o governo, uma vez que esse tempo nunca voltará a ser contabilizado, mas de um roubo descarado com a conivência dos sindicatos e do Tribunal Constitucional.
7ª Dividir a carreira docente em duas categorias: a dos professores titulares, que serão nomeados pelo governo para serem os seus novos “bufos” e não eleitos pelos seus pares, e a de professores, que darão efectivamente as aulas e ganharão muito menos de metade do salário dos outros.
8ª Fechar as escolas do interior para que toda a população vá habitar nas grandes cidades.
9ª Não reduzir o número de alunos por turma, porque isso poderia fazer com que os alunos aprendessem alguma coisa, começassem a ter espírito crítico e se apercebessem de que este governo está a deixar as pessoas cada vez mais pobres, a desertificar o interior e a explorar quem trabalha.
10ª Insultar os professores, dizendo que eles não se preocupam com o sucesso dos seus alunos para esconder o seu desejo de que os alunos tenham transitem sem haver necessidade de aprenderem realmente.
11ª Impedir os professores de levar os alunos a visitas de estudo ou de participar em actividades, uma vez que eles têm de cumprir o número de aulas previstas. Caso o professor se preocupe com os alunos, pode levá-los à actividade, trabalhando todo o dia, responsabilizando-se por eles e, depois, terá de dar as aulas, noutro dia, gratuitamente, aos alunos que não foram. Com isto a Ministra quer impedir que os alunos saiam da escola para que não se apercebam da realidade que os envolve.
12ª Obrigar os professores a darem aulas, quer estejam doentes, quer lhes tenha morrido um familiar próximo, quer tenham sido pais, mesmo que a Constituição consagre que os trabalhadores têm direito a essas licenças, uma vez que a ministra só quer saber do número de aulas dadas.
13ª Os professores serem avaliados pelos pais dos alunos que não os conhecem e pelo número de discentes que abandonaram a escola. Era como se o governo fosse avaliado pelo número de emigrantes que deixam o país e fosse eleito pelos votos das pessoas que nunca viveram em Portugal.
14º Avaliar os professores pelas notas que dão. Coitados dos professores das piores turmas! (Por momentos esqueci-me de que todos os alunos têm de ter sucesso!)
Poderia enunciar muito mais medidas, mas penso que estas já chegam para mostrar o que esta Ministra já estragou. Daqui a uns anos vamos assistir ao fecho de todas as escolas públicas, pois os alunos vão perceber que podem ir a uma escola privada e comprar o curso, sem precisarem de frequentar as aulas nem de fazerem exames.
Não sei a que propósito, lembrei-me agora de que, na aldeia onde passei a minha infância, havia um “médico”, que tinha um consultório com muita clientela, mas veio a descobrir-se que ele apenas tinha a quarta classe. Claro que foi detido e as pessoas começaram a dizer que ele era um “doutor da mula russa” ou um “charlatão”. Interrogo-me, agora, do nome que se devia atribuir a alguém que se fazia passar por engenheiro, antes de o ser. De seguida, vou consultar o dicionário para verificar se “engenheiro da mula russa” ou “charlatão” também se podem utilizar nesse caso.

2 comentários:

Bubbles disse...

Concordo com tudo o que diz, à excepção de quando diz "com a conivência dos sindicatos" no ponto 6. Quem está nos sindicatos são colegas que se esforçam por defender os interesses dos professores, no entanto com um governo de maioria pouco ou nada conseguem fazer sem que todos nós nos envolvamos.

Não dão aos sindicatos a visibilidade necessária o que faz passar para a opinião pública que não fazem o que lhes compete mas isso não é verdade. Temos de nos unir todos às nossas estruturas sindicais e participar com força nas acções que promovem.

De outra forma estaremos a dar razão à ministra quando esta diz que "os professores não estão do lado das suas estruturas sindicais, mas do lado dela."

Gostei igualmente dos seus outros dois blogs, parabéns pelo seu trabalho!

Ana Rita

Jorge Almeida disse...

Eu refiro "com a conivência dos sindicatos", por não ter havido providências cautelares em todos os tribunais para impedir o desrespeito por todos os direitos adquiridos pelos professores, sem qualquer negociação séria!
No entanto, não pretendo que haja desunião entre os professores, pelo contrário, desejo que todos estejam do mesmo lado, lutando persistentemente a favor da redignificação dos docentes.
Obrigado pelo elogio acerca dos blogs.