Espírito crítico

"Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero. "
(Pierre Beaumarchais)

"Quem se enfada pelas críticas, reconhece que as tenha merecido."
(Tácito)

"Onde não se pode criticar, todos os elogios são suspeitos."
(Ayaan Hirsi Ali)


"Só tem o direito de criticar aquele que pretende ajudar."
(Abraham Lincoln)

domingo, 9 de novembro de 2008

Carta Aberta à Senhora Ministra da Educação (Mais uma)

Ex.ma Sr.ª
Ministra da Educação de Portugal Continental (nas ilhas há outros modelos de avaliação)
Assunto: Dúvidas sobre as reuniões
Apesar de saber que a Senhora Ministra recebe milhares de cartas por dia, venho por este meio enviar mais uma epístola, porque, depois de a ouvir repetidas vezes, aquando da segunda manifestação nacional de professores, afirmar que as escolas são desorganizadas por convocarem tantas reuniões e após ter tido duas semanas em que tive reuniões todos os dias e em que entrava na escola às 8 horas e 30 minutos e saía às 21 horas e 30 minutos (sem que fossem pagas horas extraordinárias), não resisto a perguntar-lhe a quais das seguintes reuniões me seria permitido faltar:
- Reunião de departamento para elaborar o plano de formação, analisar os resultados dos testes diagnósticos e definir metas e estratégias (2 horas);
- Reunião de grupo para definir metas, objectivos, preparar actividades para o PAA, analisar resultados, definir estratégias e planificar unidades didácticas (2 horas);
- Reunião de Estudo Acompanhado para estabelecer metas e planificar as actividades (1 hora);
- Reunião para elaboração do plano TIC (90 minutos);
- Reunião de Conselho de Turma (8º B) por causa de um aluno que tem de faltar, porque tem de fazer tratamentos quinzenais de uma doença grave e, de acordo com o novo estatuto do aluno, temos de lhe aplicar medidas correctivas, elaborar matrizes e provas de recuperação (1 hora);
- Reunião de Conselho de Turma (7º D) para aplicar medidas correctivas, elaborar matrizes e provas de recuperação, porque um aluno fora da escolaridade obrigatória, depois de receber o computador gratuitamente do programa eescolas decidiu faltar, segundo o Encarregado de Educação, “para passar o dia a jogar computador”. O pai tentou tirar-lhe o computador, mas foi agredido pelo filho.
- Reunião do Conselho Geral Transitório para elaborar o Regulamento Interno (3 horas);
- Acção de formação sobre a avaliação do desempenho (3 horas);
- Reunião com o avaliador para aprovar a grelha de plano de aula e o conteúdo a colocar no portefólio que terei de apresentar (2 horas);
Eram tantas convocatórias que, para não haver acumulação de reuniões, até houve um colega que convocou uma para o dia 5 de Outubro (tenho a fotocópia da convocatória em meu poder), é claro que a reunião foi adiada, porque num domingo e feriado não havia quem abrisse o portão da escola.
Num desses dias de reuniões intermináveis, a minha filha até disse à minha esposa, quando ela a deitava, sem eu ter chegado: “Agora o pai nunca está em casa!”
Na próxima semana também terei cinco reuniões de conselhos de turma intercalares pós-laborais para analisar os resultados (se tiver tempo de corrigir os 120 testes) e definir as metas para o PCT. Eu sei que sou “desorganizado” por ter dado testes a alunos a quem terei de dar boas notas, mas o meu nível de exigência ainda não desceu tão baixo. Também me disseram que tenho de apresentar os meus objectivos aos meus avaliadores até ao final da semana. Não sei se haverá uma reunião para o efeito, pois tem de haver uma negociação. Além disso, foi afixado um ofício que exigia que sugeríssemos datas para a supervisão de aulas.
Talvez devesse estar a planificar aulas, em vez de escrever esta carta, mas estava tão irritado com as suas doutas declarações que, se fosse preparar aulas neste momento, teria de deixar transparecer toda a minha indignação e os meus alunos não merecem.
Por outro lado, o seu modelo de avaliação padece de várias ilegalidades que sua excelência teima em não corrigir. Um exemplo é o facto de que, como as vagas que foram abertas e as condições impostas terem impedido que houvesse avaliadores titulares em todas as escolas, o Ministério permitiu que professores (não titulares) avaliassem os colegas que concorrem às mesmas vagas para as classificações de “Excelente” e de “Muito Bom” (que não contam só para efeitos de progressão, mas também de colocação), o que é um expediente que contraria o artigo 44.º do Código do Procedimento Administrativo, relativo aos casos de impedimento, que refere o seguinte: “Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos: a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa;”.
Além disso, avaliar os professores pelas taxas de abandono, como o novo modelo prevê, é tão inconcebível como seria avaliar os médicos pelas pessoas que falecem nos hospitais.
Trata-se de um modelo tão injusto e ineficaz que só quem não está por dentro do seu funcionamento é que pode aceitá-lo.
Um conselho: da próxima vez que queira importar um modelo de avaliação, copie de um país que tenha melhores resultados do que o nosso, pois até alguns alunos com mais dificuldades sabem que se deve copiar pelos alunos mais inteligentes.
Agora, estão a chamar-me para uma reunião semanal de uma turma de CEF, já não posso referir as injustiças das penalizações a que os professores estão sujeitos na sua avaliação se estiverem de licença de paternidade, de nojo ou por doença, mas despeço-me com todo o respeito que merece, deixando duas citações:
“A primeira fase do saber é amar os nossos professores.” Erasmo de Roterdão
“Ao emendar aquilo que precisa de correcção, o bom professor não está a ser rude.” Quintiliano
Um professor português de 2º categoria
salvarescola@gmail.com

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